O casal imperial d. Pedro II e dona Tereza Cristina, partiram do Rio de Janeiro, no dia 21.03.1881, sábado, às 6 horas da manhã, para conhecer Minas Gerais. O imperador cuidou de escrever um diário de viagem e a imprensa deu grande cobertura à visita.
RUMO A SABARÁ
O caminho, até descer para Sabará, tem aspectos belíssimos de um lado, até as terras do lado do Serro e Diamantina, e de ouros a serra da Piedade com seu morro recortado de itabirito como o Donner Kugel, que se vê das montanhas que dominam o lago Hallstatt e a serra do Curral, avistando a povoação de Curral del Rei (atual Belo Horizonte). A cidade de Santa Luzia avista-se até menos de duas léguas de Sabará. A trovoada e diversas mangas(10) de água, do lado do serro (serra) do Curral, destacando-se do grosso das nuvens fiapos destas, com formas extravagantes e os raios do sol dando às montanhas, por entre nuvens, cores variadíssimas, tornava a paisagem encantadora.
Ao descer para Sabará, começou a cair chuva. O sol transformava num monte de ouro o (ilegível) da capela, creio que do Bom Jesus. Desabou, por fim, uma trovoada de água açoitada fortemente pelo vento. Cheguei molhado como um pinto à casa do coronel Jacinto(11) pouco antes das 6h. Recebi cartas de Saraiva e de Dantas, ambas do dia 3. Jantar. Vou, daqui a pouco, a um teatrinho particular. Veio um fulano Viana, da parte do diretor do Morro Velho, para acompanhar-me à mina de Cuiabá(12) da mesma companhia. O professor primário de Sabará tem também aula noturna, percebendo 25$000 de gratificação por mês.
Ontem à noite, quando eu voltava para Lagoa Santa, fuzilava do lado do sul, de onde veio igualmente a trovoada desta tarde. No caminho de Santa Luzia para cá, vimos granito alterado. Na margem oposta do rio da Velhas, segundo Gorceix, não se observa granito. Nos terrenos granitóides ou grés decompostos, crescem as maiores e mais viçosas árvores. A imperatriz disse-me ter-lhe falado uma francesa, que parece ser madame Toulon, que se fez conhecida por ter pertencido à companhia dramática francesa, que representou no São Januário.
Teatrinho de Sabará.
O teatrinho não é feio e muito melhor que o de Barbacena. Representaram duas peças, de dois e um ato, e sofrivelmente para curiosos. Faltam 25′ para meia-noite.
10 (domingo) – Acordei. Vou ouvir missa no oratório da casa (do coronel Jacinto) e sair às 6h. Fui a casa onde morava habitualmente monsenhor José Augusto. Pertence-lhe assim, como outras, ao pé (próximas). Queria mostrar uma imagem da Nossa Senhora das Dores de seu oratório. É grande, porém não tem nada de notável. Na sala de retratos de Saldanha Marinho(13); (do) bispo do Ceará, hoje arcebispo da Bahia(14); (de) Ferreira Lages* (*Lage)(15); (do) marquês de Barbacena(16), (do) Gordon(17) e creio que mais outros; rede para a sesta. Segui para a matriz. A mais bonita igreja, internamente, que tenho visto. Duas galerias laterais com arcos a que correspondem os altares. Côro elegante. Obra de talha dourada de bom gosto. Quadros na sacristia de que o melhor é o da ressurreição. Penso que são os que Saint-Hilaire elogia.
Sabará: igreja de Nossa Senhora da Conceição.
RUMO A CUIABÁ
Continuei para Cuiabá. Atravessam-se os rios Gaia e Cuiabá, onde não há ponte e, com a cheia, serão intransitáveis. No caminho, o comendador Viana, mandado pelo Morrison, disse-me que pedras de calçada, ao sair de Sabará, tinham 75% de ferro; que uma mina perto desse ponto consumiu 1.000 mil contos a uma companhia sem proveito e que havia pés de café de cem anos, dando setenta a oitenta barris de vinho um vinhedo da casa de um italiano, porque tem uva branca e preta muito boas.
Às 8 (h), pequeno arraial, quase abandonado de Pompéu(18), onde houve mina de ouro. 8¾ (h). Cuiabá, onde me esperava Morrison. Almoço. Pouco antes da 10 (h), fui ver turbina de queda de água de 50 pés, correndo 250 pés cúbicos por minuto, com força de 55 cavalos que comprime o ar, que move as brocas do túnel. Passei pelos pilões, sistema antigo. A mina dá, por hora, 2½ oitavas ou menos por tonelada. O sistema é o antigo. Está assentando vinte pilões de novo sistema.
Entrei no túnel a que faltam, ainda, 200 a 300 br.* (*braças) até chegar ao veeiro, tendo já 400 br. de comprimento e boa largura, e altura. Vi trabalhar duas brocas. Podem trabalhar quatro. Fura, cada uma, polegada por minuto, ou pouco mais de minuto, duzentos e cinquenta pancadas por minuto. Num mês se abrem 13 a 15 braças de túnel. A pedra do túnel é xistosa. O chão do túnel fica a 45 metros, se não me engano, inferior ao alto da montanha. O veeiro corre (…no sentido) N.O.- S.E.
RUMO A CAETÉ
Às 11 (h) segui viagem. Há logo grande subida. Bela vista, terreno muito montanhoso. Despediu-se Morrison. Vista da serra da Piedade com o cimo dentado. Cobriam-no, em parte, as nuvens. Bastante calor que ameaçava chuva, sendo indício de tempo incerto o nublamento do cimo da Piedade. Encontro de caetenses (caeteenses). Conversei largamente com o coronel Agostinho dos Santos, casado com uma irmã do finado dr. João Pinto Moreira(19), sobrinho do visconde de Caeté(20). Esta região é mineira e criadora. Não vejo agora o capim gordura (Tristigios glutinosa – antes Melinis multiflora) que abundava no terreno que atravessei para ir à gruta da Aldeia.
Matriz de Caeté – Nossa Senhora do Bom Sucesso.
Na volta para Sabará, à tarde, descobri o pico de Itabira. Viu-se, por fim, em parte, a matriz de Caeté, numa depressão do terreno e, descendo aí, cheguei às 2h 6′. Vi, no alto da serra da Piedade, a capela (leia o Post “No palco da vila”) e indicaram-me, em posição inferior, o asilo fundado pelo vigário de Caeté, Domingos José Evangelista, de quem o coronel Santos diz muito bem, assim como do juiz municipal Melo, de Pernambuco. O coronel tem dois filhos no Seminário de Mariana, Carlindo de tal Santos; e Santos de tal Santos(21). Às 3¼ (h), matriz. É grande e elegante externa e internamente. Duas colunas que sustentam o coro e as pias são de serpentina das circunvizinhanças, segundo ouvi a Gorceix.
Aulas de meninos regidas por professora casada e de meninas. Casas muito acanhadas. Agradou-me mais a de meninas. A casa da câmara é decente. Os padrões não se guardam aí! Cadeia em parte (?) de alçapão, porém melhor que a de Santa Luzia. Livros escritos irregularmente e falta o de termos de visita. Guardas com clavina. O serviço da polícia, na província, é muito mal feito. Gorceix disse-me ter trazido pedras de sua excursão, quando o deixei em Sabará.
Logo que cheguei a Caeté, falei com o vigário aposentado Jacinto. Homem muito inteligente e dado às boas letras. Pregou aqui por ocasião de minha coroação e recebeu meu pai. Tomei um banho morno e, às 6½ (h), jantarei. Tenho me esquecido de dizer que me falam de magabeiras desde que deixei Sabará, porém ainda não vi nenhuma. Já exportaram da província borracha da mangabeira(22), segundo ouvi ao monsenhor. Vi bons papos também aqui (bócio endêmico) e o vigário tem princípio dele. Aparecem, sobretudo, em gente de cor, talvez pela comida. Em Cuiabá, mina que estava abandonada, recomeçaram os trabalhos que visitei só há três anos.
Visitaram-me três das asiladas da serra da Piedade com a diretora. São trinta e nove pobres, e dez que pagam alguma coisa. Também falei a Lott e não Lottis, e a outro sócio português. Que o Descoberto (minas do…) dá pouco ouro por ora. Lott está no Brasil desde 1835 e é casado com brasileira(23). O vigário aposentado deu-me cópia da memória de uma décima (estrofe de dez versos), em português e latim do senador Gomide(24). Estava com muito sono e custou-me a chegar às 9h.
11 (2ª fª) 5h – Acordei. Tomei banho frio na banheira. Ontem li Saint-Hilaire, as pinturas que ele elogia na matriz do Sabará são do coro e não as da sacristia que, aliás, parecem-me melhores. O vigário de Caeté, ontem, ao jantar, disse que uma tia dele tinha sido amiga da irmã Germana(25), milagrosa de que fala Saint-Hilaire. O vigário, apesar de inteligente, parece-me crendeiro. À 6h parto para o Caraça. O vigário dá-me cópia da inscrição da matriz. Lenda do vigário Henrique Pereira, que a ela se refere e vem publicada no almanaque mineiro. Em Caeté, há um chafariz de pedra de 1800. A capela do alto da serra da Piedade não foi feita por esforços do vigário, mas sim há mais de um século.
Esse texto é parte do diário de D.Pedro II na sua viagem por Minas Gerais.
por Eduardo de Paula