Essa história relata um pouco das reportagens policiais da época que envolve dois bandidos que praticavam seus crimes na cidade de Sabará e nas cidades vizinhas como Santa Luzia, Lagoa Santa, Ouro Preto, Curvelo e outras próximas.
por Eduardo de Paula No Brasil, os primeiros noticiários sobre o mundo do crime sugiram na metade do século XIX. Naquele tempo, ainda não existia a especialização de repórter policial. As informações provinham das publicações dos tribunais de justiça e de correspondentes que, necessariamente, não eram jornalistas. Os informantes ouviam a voz corrente e, dependendo da qualificação criminal do facínora, a própria população se empolgava em dar sua contribuição aos relatos, temperando a seu modo os acontecimentos. Temores à parte, ter na sua história pelo menos um bandido famoso era uma glória para cada vila ou cidade.Julho de 1855 — “No dia 3 do mez passado, na villa de Curvello, indo o delegado de policia Antonio José Soares(1) passar uma revista à cadeia, foi assaltado e morto pelos presos, que se evadirão todos (eram oito), menos um que foi preso pelo povo. As boas qualidades do morto e a boa opinião de que geralmente gozava, interessárão a todos na vingança de sua morte e, por isso, não duvido acreditar que os assassinos estarão brevemente presos e serão punidos com todo o rigor das leis.”
N. B. – Vejo agora no ‘Bom Senso’, de hoje, que a esforços dos dignos 1° suplente de delegado do Curvello, Felicissimo de Souza Vianna; o subdelegado de Trahiras, Antonio Rodrigues Lima, fôra preso o facinora Vidal, um dos principaes assassinos do delegado Soares.”
* Enviado de Ouro Preto, em 02.08.1855 − Publicado no “Correio Mercantil”, Rio de Janeiro, 08.08.1855
Junho de 1868 (seção de 05.06.1860, do Tribunal da Relação, Rio de Janeiro) — “N. 3.320 − Curvello − Appellante, Vidal Rodrigues da Costa; appellada, a justiça. − Juizes, todos os presentes, menos o Srs. Simoes da Silva e Mascarenhas − Julgarão unanimemente improcedente a appellação, confirmando-se a sentença do jury, condemnando pela terceira vez à morte o appellante, réo do assassinato na pessoa do delegado de policia Antonio José Soares, em occasião de visitar a cadêa.”
* Publicado no “Correio Mercantil”, Rio de Janeiro, 06.06.1860
Curvelo antiga em cartão postal.
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Em 1819 − voltando no tempo −, começa a história de um moço ingênuo, nascido na região do Sumidouro e que se transformou em
UM BANDIDO CHAMADO VENENO
Do jornal “O Progresso”, de Sabará.
“Joaquim Domingues Soares(2), por alcunha o Veneno, natural da Lapinha, pequena aldêa da freguezia da Lagôa Santa, nasceu de pais pobres, que apenas puderam ensinar-lhe as primeiras letras, sem dar-lhe a mais pequena doutrina. Desde seus primeiros annos, mostrou máo genio. Era teimoso irascivel e impetuoso. Este genio era reprimido à força de castigos corporaes que seu pai, Domingos Soares, lhe inflingia cheio de raiva, pois tambem foi e é, ainda hoje, de uma indole indomavel.
É bem conhecido que este systema de educação produz o effeito contrario, na maior parte das crianças. Por outro lado, a mãi de Joaquim Soares, mulher santa, que de seu marido tem soffrido todos os máos tratos que um coração barbaro póde inventar, afagava este filho, com um amor tão terno que mais do que elle chorava os castigos que seu pai lhe fazia. Joaquim tinha e conservou até a morte a maior dedicação, o amor filial mais extremoso para com sua mãi e, muitas vezes, chegou a ameaçar seu pai por causa dos seus rigores para com ella.
Em 1833, em uma fogueira de Santo Antonio, no arraial de Santa Luzia, se commetteu um homicidio. Joaquim Veneno, então de 14 annos, foi nelle compromettido. Defendeu-se no jury, onde provou que nenhuma parte teve neste delicto e foi absolvido. Correndo sempre a redeas soltas, já porque não temia os castigos do pai, já porque tinha a protecção da mãi, raras vezes se dava um facto criminoso em Santa Luzia que nelle não se comprehendesse* (*envolvesse) o Veneno. Diversos processos crimes teve contra si mas, de todos triunfou, porque sempre foi muito protegido.
Santa Luzia antiga com prédio do fórum em primeiro plano.
O excesso com que amava, protegia e socorria sua infeliz mãi; a dedicação e amizade com que se prestava a todos com se ocupavão; a caridade que usou sempre com os pobres e, ultimamente, o amor, o extremo com que tratava a uma honesta e interessante moça, com quem se ligou pelos laços matriomiaes, lhe ganharão as afeições de todos os que o conhecião e Joaquim Domingues, aproveitando estas boas disposições, se atirou ao commercio, com tanta facilidade que, em pouco tempo, se apresentou possuidor de uma meia duzia de contos de réis.
O veneravel José de Oliveira Campos, patriarcha de Santa Luzia, por quem ainda chorão os habitantes desta villa, bem como todos que tiverão a fortuna de o conhecer, tinha por caixeiro a um fuão* (*fulano) Camello, homem velho, probo e caracter sisudo. Mandou-o a certas cobranças e, um celebre Nequinha, do logar Ignacia Carvalha* (*São José da Lapa), o matou para roubar! Campos, para vingar a morte do seu fiel caixeiro e amigo, fê-lo processar e, ao pai de Joaquim Domingues, encarregou a arriscada diligencia da prisão do facinora. Joaquim offererece-se a acompanhar seu pai, que recusa, por conhecer o perigo da empreza* (*iniciativa) a que se sujeitou pelo prestigio de Campos mas, o filho, fingindo obedecer, acompanha de longe a seu pai e salva-lhe a vida, tirando com um tiro de clavinote* (*carabinazinha) a do malvado Nequinha que, com uma facada, lhe havia posto as tripas à mostra. Esta acção digna de louvor foi tão bem aceita geralmente que nem processo se formou.
Continuou Joaquim Domingues a sua carreira commercial, sempre com felicidade, até que, no arraial de Tacuarassú* (*Taquaraçu), travou inimizade com um José Marianno, homem cheio de vícios e defeitos, entre os quaes o de gostar das cousas alheias. Joaquim cobrava deste homem a ridicula quantia de 5$000. Elle lh’os pretendeu pagar com injurias e com um desafio que, para os habitantes de Santa Luzia, foi e é, ainda hoje, o maior insulto: ‘- Venha cá essa perrada* (*canalhada, cachorrada) de Santa Luzia, que quero ensina-la!’ Estas palavras, pronunciadas por José Marianno, reveladas a Joaquim, talvez bem comentadas, exacerbarão-no, ao ponto de jurar vingar-se.
A intriga cresceu. Uns diziam a Joaquim: ‘- Não passe por tal estrada que José Marianno lá está de emboscada a sua espera.’ Por essa mesma estrada é que Joaquim passava. Outros dizião-lhe: ‘- José Marianno prometteu arrancar-lhe as barbas e torcer-lhe as orelhas.’ Um dia, e deste dia data toda a desgraça de Joaquim Domingues…
Encontra-se este o seu inimigo sentado com uma arma de fogo ao lado da estrada que, de Tacuarassú segue para Santa Luzia. Grita-lhe de longe que se retire, que quer passar, José Marianno põe-se a pé no meio da estrada… Arrojar o animal para este lado, engatilhar a pistola, dispara-la sobre o peito e lança-lo morto por terra, foi obra de um momento.
Joaquim havia precedentemente bebido bastante vinho. Apresentou-se em casa do subdelegado Antonio Ferreira Torres, que mora a pouca distancia, em tal estado de alteração e desvario que o subdelegado o desconheceu à primeira vista e, depois, o reputou louco. Elle narrou todo o occorrido à autoridade, que o deixou em paz. Desde então, mudou-se a sorte do infeliz Joaquim. As intrigas ferverão, as mentiras apparecerão e, uma delas, causou toda a sua ruina. Persuadirão ao juiz de direito desta comarca, Dr. Q. J. da Silva(3) que Veneno jurára assassina-lo. Mentira revoltante, contra a qual protestou sempre aquele desgraçado. Mas, enfim, isto tornou-se uma crença para aquelle juiz que, na sala do jury desta cidade, disse: ‘Se eu encontrar o Veneno, disparo-lhe um tiro, sem mais nem menos, porque não quero morrer!’
A justiça justamente perseguia o criminoso. Este, com razão, fugia à justiça mas, as perseguições, as commissões dadas a criminosos seus inimigos de o prenderem, a paralysação de interesses e a vida sobressaltada que levava, eram males que Joaquim procurava suavisar, à força de bebidas alcoolicas, a que foi se habituando tanto que, perturbado o sensorio, veiu entregar-se à prisão nesta cidade, onde um habil medico o declarou louco. Melhorou, foi submetido a julgamento em Caeté e condenado a galés* (*prisões com trabalho forçado) perpetuas, de cuja sentença appelou e, tendo de ser de novo julgado, antes disso teve ocasião de fugir da cadêa do Ouro Preto.
Cadeia de Ouro Preto, lugar de muitos prisioneiros perpétuos.
O nimio* (*demasiado) amor que tinha à sua mulher e à sua mãi prevaleceu, ao conselho de amigos e até de inimigos, para que se retirasse para longe. Perseguido fortemente pela justiça, elle se reuniu a outros criminosos e, na companhia destes e de outros companheiros da fuga, estabeleceu sua residencia na Lapinha, onde zombava da força publica, muitas vezes commandada pelo proprio delegado desta cidade, Dr. F. L. C. Belem. Tão grande foi o empenho pela prisão deste homem que, um Xico Preto e um Thomaz de Barros, qua a voz publica aponta como insignes criminosos, formárão parte da força incumbida desta diligencia e acompanhavão o delegado.
Em um dos assaltos à casa em que morava o criminoso, a força publica se cobriu de opprobio e de vergonha, conduzindo, entre outros objectos, a carteira do mesmo, que guardava algum dinheiro. Animado pela sua coragem e pela fidelidade dos companheiros, igualmente destemidos, e, mais que tudo, pelas bebidas espirituosas, Joaquim Domingues fórma o ousado projecto de acommetter a força e, tres homens, elle, Caixeta e Camillo Caiano(4), se apresentão em frente da mesma. E com tal bravura se portão, que terião pegado a mão, dentro do rancho, que lhes servia de quartel aos soldados se, ao approximarem-se delle, Caixeta não fosse gravemente ferido!
Retirarão-se e, desde esse dia, se dispersarão. Joaquim Veneno procurou as fazendas do Pompéo, no municipio de Pitangui; Caiano homisiou-se(5) no Páo-Grosso* (*Baldim), nova povoação no districto de Getitibá* (*Jequitibá), fundada pelo capitão B. M. de Almeida; e do Caixeta não temos noticia. Na fazenda da Soledade(6) permaneceu aquelle por algum tempo, até que resolveu-se a retirar-se para mais longe. Tencionava internar-se pelos sertões da Bahia e o Sincurá(7) era o ponto escolhido. Comprou uma porção de bestas novas e as amansava, e arreiava para conduzir cargas para aquelle logar. Apareceu-lhe haí Camillo Caiano, oferecendo-se-lhe para seguir em sua companhia e ajuda-lo no trabalho da tropa. Joaquim recusa-se e dá-lhe dinheiro para que se retire. Elle, porem, demora-se sob frivolos pretextos e lhe paga a generosa dadiva com um tiro, do qual morreu logo.
A morte do delegado, no “Correio Mercantil” do Rio de Janeiro (08.08.1855).
Reunem-se muitas pessoas e marchão ao encontro de Camillo, que é encontrado e não se aterra com a presença de tantos homens armados que o querem prender. Antes ameaça com a morte ao que chegar. Um filho do capitão Soares, que há pouco foi morto na cadêa de Curvello pelos presos ahi detidos, é o primeiro que o lança por terra ferido por uma bala, disparada com mão segura. Imediatamente, uma descarga de de dezoito armas deixão o cadaver do perverso gretado como uma renda!
Tal foi o fim do homem que tantos sustos causou e que tantos incommodos deu às autoridades, que seu nome lá vem (virá) na folhinha noticiosa de 1858. Tal o fim do perverso Caiano! Ajuizem agora os homens imparciaes por esta veridica exposição, se Joaquim Domingos Soares foi aquelle monstro pintado pelos jornaes publicos, ou se foi simplesmente um homem que a falta de educação e más companhias tornárão desgraçado.”
* Publicado no Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 29.11.1857
Contra o Veneno
As más línguas, melhor dizendo, os fofoqueiros de Sabará, haviam atribuído ao Veneno uma suposta ameaça de morte ao juiz Quintiliano José da Silva. Pelos relatos dos jornais da época, o magistrado levou o assunto a sério e, temeroso do que pudesse acontecer consigo, passou a perseguir o bandido, impiedosamente, mobilizando forças poderosas contra ele. O “Correio Official de Minas”, de 23.02.1857, descreve uma caça ao bandido e seus comparsas, em 1857, motivada por solicitação do referido juiz:
“… o tenente […] Frederico Augusto da Silva Brandão, incumbido de prender o réo Joaquim Domingues Soares Barbosa, […] conhecido pela alcunha de Veneno, já sentenciado pelo crime de homicidio (que se evadio com outros da cadêa desta capital, em julho de 1856) partira com uma pequena escolta para a povoação da Lapinha, […] onde não encontrou o dito réo, […] e que havendo-se retirado para a Alagoa Santa, distante 1½ legoa, fora ahi acometido às 7 horas da noite, de 6 do corrente, n’um rancho onde pousara com a escolta por um bando de pessoas armadas, à testa das quaes, presume-se, ter estado o mesmo Veneno; resultando dahi um conflicto com tiros de fuzilaria, de parte a parte, que durou duas a tres horas. O tenente Brandão e dous dos soldados […] ficarão levemente feridos, e os vestigios deixados pelos agressores, que se debandarão, induzem a crer que soffrerão não pequeno estrago. […]
O dr. Francisco Leite da Costa Belem, […] delegado de policia do termo, tencionava mandar renovar a diligencia […] e o exmo. presidente (da província) logo que recebeo estas noticias, determinou que o […] chefe de policia partisse para aquelle termo […] afim de dar as providencias que as circunstancias exigirem, mandando pôr a sua disposição, alem da força já destacada em Sabará, quarenta praças do corpo fixo com tres officiaes, sendo um delles o coronel Bruce(8).”
Almas (Angueretá), onde Caiana matou Veneno (Mapa de E. Canabrava Barreiros).
A favor do veneno
Apenas a voz do valoroso médico e deputado Anastácio Symphronio de Abreu(9), de Sabará, se levantou para defender o desamparado Veneno. No seu entendimento, o dito facinoroso, mais que tudo, era vítima de uma sociedade injusta e, principalmente, da antipatia de Quintiliano, o juiz atemorizado. É preciso que se diga que, o deputado Symphronio e o juiz padeciam de antipatia mútua e, sempre que havia oportunidade, Symphronio espezinhava Quintiliano. Tal como ocorreu na seção de 23.07.57, da Assembleia Provincial, ao fazer uma indagação ao colega deputado Dias de Gouveia:
“- Queira o nobre deputado dizer-me se não houve abuso desse juiz de direito* (*Quintiliano), ausentando-se como ausentou para sua fazenda da Serra Negra, por mais de ano, deixando o Sabará, e as partes sem saberem em que lugar iriam encontra-lo, porque, quando dirigiam-se a Serra Negra, não o encontravam, por ter ido para Mattosinho, fazenda da […] d. Isabel, sogra do sr. dr. Quintiliano; e, quando era procurado […] já ele se tinha retirado para aquela outra, de dessa não saia nem…”
E continuou, fustigando o adversário:
“- Se tem dito nesta casa, ora que era para se acautelar do Veneno, ora por incommodo de saude em sua familia. Pois acredita o nobre deputado que, em uma roça, se possa estar mais abrigado dos insultos de um assassino, do que numa cidade, como a do Sabará? E que, em uma fazenda, tão distante […] como é a da Serra Negra, dos recursos médicos, se possa tratar melhor os doentes? E, se havia esse mêdo do Veneno, e essas molestias na família, como é que o dr. Quintiliano andava de viagem da sua fazenda para aquela de Mattosinho, e também para Santa Quitéria?
Prosseguindo, deu sua versão sobre a ojeriza do Quintiliano contra o Veneno:
”- …Dizem que o sr. dr. Quintiliano expoz sua propria vida para prender o criminoso – Veneno – em Mattosinho. Senhores, não é exato o fato como se relatou. O caso foi conforme passo a refferir. Chegando o sr. dr. Quintiliano ao arraial de Mattosinho […] sei que havia missa e concurso de povo que a ella assistia. Soube o sr. Quintiliano que o Veneno achava-se na igreja ou dentro do […] arraial. Procurou o sr. juiz de direito pelo […] major Luiz Nogueira, subdelegado do districto, para dar ordem de prisão, exigindo que […] acompanhasse a diligencia, ao que não acedeu, porque o major, conhecendo bem as disposições em que sempre se acha o […] Veneno, que estava então acompanhado de alguns mais ou menos dispostos como elle, cumprio seu dever, dando uma portaria, para que se prendesse o […] Veneno, ou por que fosse avisado ou porque desconfiasse, retirou-se logo, ficando o dr. Quintiliano mal satisfeito […] Passou-se pois o facto como acabo de referir […] Os senhores deputados sabem disso por informações e eu ouvi […] do major Nogueira.”
Mais adiante, interferiu o deputado Augusto Gama:
“- Mas o Veneno já está condenado.”
Respondeu Symphronio, enaltecendo as qualidades humanas do bandido:
“- Está condemnado, é verdade, mas este facto da sua condemnação não lhe tirou as qualidades de dedicado e sincero amigo, que ouço dizer tem elle; eu não o conheço, sei disto por ter ouvido de pessoas que o conhecem de perto e que sentem o estado a que se acha reduzido esse infeliz homem.”
Acrescentou o deputado Lima Duarte:
“- Proteje criminosos…”
E respondeu Symphronio:
“- Senhores, porque um individuo cometteu um crime e se acha condemnado, deve por isso ser odiado ou aborrecido de todos? Eu não duvido proteger algum criminoso, mas há de ser essa protecção derivada da lei, prestando-me para fiador nos casos admissiveis. Há muitos anos habito o Sabará, nunca me dirigi a uma autoridade para pedir o menor favor a respeito de criminosos, ou em qualquer outro sentido, que signifique pedir-lhe para não cumprir com as obrigações do seu cargo. É esta a minha norma de conducta. Censurou-se uns vivas que foram dados em referência à minha pessoa, enxergou-se, no procedimento daquelles que os deram, manifestações subversivas…”
Ponto final
Extrato do relatório do presidente da província de Minas Gerais.
O último dia do Veneno aqui na terra foi confirmado pelo delegado de polícia de Curvelo, pois o evento ocorreu no distrito de Almas, hoje denominado Angueretá, lugar também conhecido por Soledade, porque alí existe a capela de Nossa Senhora da Soledade. No “Correio Official de Minas”, de 09.11.1857, foi noticiado:
“De participação official, recebida do delegado de policia […] do Curvello, consta que a 21 de outubro pp., às 6 horas da tarde, foi assassinado o réo Joaquim Domingues Soares Barbosa, vulgo Veneno, por seu companheiro Camillo Braga, conhecido por Cayanna, sendo este logo morto em acto de resistencia, por uma escolta dirigida pelo inspetor de quarteirão Placidino José Soares, no Porto do Choro…”
Colando a referência numérica em negrito -19.015069, -44.732256, na janela de busca do Google Maps, pode-se ver o local onde mataram o Veneno, junto à Cachoeira do Choro, no rio Paraopeba.
O relato desses acontecimentos constaram do relatório do presidente da província(10) à Assembleia Legislativa Provincial, apresentado na seção ordinária de abertura dos trabalhos de 1858 (ver imagem acima). A publicação oficial confirma e traz mais luz aos fatos. É tudo verdade! E serve esta exemplar história para reavivar a memória de alguns e de alerta a outros. Pena de morte e prisão perpétua já existiram no Brasil e, nem por isso, o crime deixou de existir. E nem as injustiças! E nem o temor à violência, embora revestido com um certo prazer em desfrutar o trágico espetáculo, no quintal do vizinho, claro.
Compilação, texto e arte de Eduardo de Paula – Blog Sumidoiro
Revisão: Berta Viana Palhares Bigarella
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(1) SOARES, Antônio José − Foi vice-presidente da câmara municipal de Curvelo, de 07.01.1837 a 07.01.1841. Conhecido como Antônio Ambrósio. Fonte: Arquivo Público Mineiro, CV 02, p. 181.
(2) No relatório da presidência da província, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial, em 1858, o facínora é denominado Joaquim Domingues Soares Barbosa (ver imagem ao fim do texto).
(3) SILVA, Quintiliano José da − (natural do Curral D’El Rei, bt *23.121807, em Santa Quitéria / Rio de Janeiro, †25.08.1889). Casado com Maria Isabel de Paula Barbosa da Silva. Foi juiz de direito da Comarca do Rio das Velhas e político, chegando a presidente da província de Minas Gerais. Filho do capitão Miguel José da Silva Fernandes e de Anna Filipa de São Tiago. Matriculou-se na Universidade de Coimbra, em 31.10.1827, voltando ao Brasil no ano seguinte e bacharelando-se em direito, em 1832, em São Paulo, na primeira turma da escola do Largo São Francisco. Foi deputado provincial, deputado geral, vice-presidente e, depois, presidente da Província de Minas. Quando foi deputado provincial, participou da Revolução Liberal de 1842, lutando do lado dos conservadores.
(4) No relatório da presidência da província, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial, em 1858, o facínora é denominado Camillo Braga, vulgo Caiana. Faz sentido, porque caiana é uma qualidade de cana de açúcar muito cultivada em Minas Gerais.
(5) Homiziar − ato de esconder alguém ou algo da ação da justiça. / Etimologia: lat. homicidĭum,ĭi ‘homicídio’, através de omezidĭo (doc. em textos lat. de 1252) na acp. de ‘dar guarida, esconder à ação da justiça’; omezio (sec. XIII) é f. divg. de homicídio (sec. XV), que mantém o signf. orig. lat. retomado por via culta; ver homin(i)-; f. hist. 1244 omezio, 1252 homizio top., sec. XV omizio.
(6) O texto refere-se à fazenda Soledade, nas cercanias de Curvelo, mas parece tratar-se de pequeno equívoco do autor; na verdade, seria capela da Soledade. Hoje, o lugar se chama Angueretá e, ali, ainda existe uma capela dedicada a Nossa Senhora da Soledade, erigida por volta de 1674. Não confundir com aquela outra capela, de mesmo nome, situada entre as cidades de Sabará e Santa Luzia, no alto de uma serra.
(7) Sincurá = Sincorá − cadeia de montanhas e vale situados no estado da Bahia, integrante da chapada Diamantina. Na região encontram-se a cidades históricas de Lençóis, Mucugê, Igatu e outras.
(8) BRUCE, João Guilherme − Tenente-coronel, comandante do corpo de guarnição de Ouro Preto.
(9) ABREU, Anastácio Symphronio Gonçalves de − (*entre 1815-20 / †1883), filho do capitão José Gonçalves de Abreu e de Rosa Maria de São Felix. Veja o Post “Dois Anastácios”.
(10) CAMPOS, Carlos Carneiro de (Visconde de Caravelas) − Salvador, *01.11.1805 / Rio de Janeiro, †28.04.1878